Manoel Soares Cutrim Filho
*
A mola mestra que nos
propulsionou na elaboração dessa matéria é a expansão
do Reino do Nosso
Senhor Jesus Cristo ,
por meio
do crescimento sadio
da sua Igreja .
Na visão neotestamentária,
todos os nascidos de novo
são sacerdotes :
“... sacerdócio
real , nação
santa , povo
de propriedade exclusiva
de Deus ...” (1 Pe 2:9). Há uma
religação pessoal do homem com Deus por intermédio de Jesus, sem
intermediário humano .
Esta foi a ênfase dos apóstolos , de todos
os reformadores e daqueles que têm se insurgido contra
o clero dominante
e opressor , ao longo
da História da Igreja .
Líderes sim ,
mas não
intermediários entre
Deus e seu
povo . Os apóstolos
estimulam a Igreja a obedecer
e a honrar aos seus
guias (Hb 13.17).
A clericalização tem sido um
fenômeno cíclico na História
da Igreja . Dentro
da realidade social
do Brasil, lembro de um fenômeno ,
que a meu
ver , é pertinente
mencioná-lo, por trazer
possível semelhança
com a matéria
que ora
tratamos — foi a preferência que
era dada
aos bacharéis no tempo do Império
e parte da República ,
quando alguém
ia estudar na Europa, inexoravelmente voltava bacharel , em
Direito ou
Letras , não em uma profissão tecnológica ,
mas tornava-se um
especialista em
burocracia . Um
simples técnico
para a manutenção
dos engenhos ou
engenheiros , para
a construção de estradas ,
eram importados. Enquanto isso países europeus e os Estados
Unidos estavam bastante envolvidos com os inventos
que propulsionaram o progresso dos mesmos .
Quando acordamos do sonho
da ‘República dos Bacharéis’, e descobrimos que
precisaríamos ter profissões
multidisciplinares, o atraso já era grande . Se a igreja acordar a tempo pode ser conhecida pela igreja da multiplicidade dos dons
e não pela
igreja essencialmente
episcopal.
O clericalismo da igreja
está ligado muito com
a perda da visão
de servir daqueles que
atuam no serviço religioso ,
ao contrário do que
disse Jesus: “... que não veio para ser servido, mas para servir ...”
(Mt:20:28). Isto aconteceu com os levitas do Velho
Testamento , fariseus
do tempo de Cristo ,
o clero após
a oficialização do cristianismo por Constantino e até
aos nossos dias .
“Vantagens espirituais
não devem ser
usadas para interesses
pessoais , exaltação
própria e esquecimento
de glorificação do Deus
Todo-Poderoso ”, disse Waldiberto
Moreira, quando pastor
da Igreja de Cristo
em
Taguatinga Sul – DF, na colação de grau
dos formandos da turma de dezembro
de 1998, da Faculdade Teológica
Cristã do Brasil .
O título na comunidade dos santos
não deveria ser
visto como
status ,
mas serviço ,
isto é servir .
Chamamos com
todo informalismo: Jesus, Pedro, João,
Paulo, Tiago (apóstolos ), mas os nossos clérigos quando
não os tratamos de Reverendo ,
chamamos de Pastor , Bispo ,
Apóstolo , Pai
Apóstolo , quem
sabe, em breve ,
Arcebispo ou
mesmo de Papa .
Em alguns
casos até
parece um sacrilégio
chamar um pastor de irmão , sem primeiro trata-lo pelo seu título . Que evangelho é esse ?
Se o próprio Iniciador desse evangelho
disse: “Vós , porém ,
não sereis chamados mestres ,
porque um
só é vosso
Mestre , e vós
todos sois irmãos ”
(Mt 23:8). Não venham os intérpretes “oficiais ”
do evangelho dizer
que Jesus não
quis dizer bem isso ! O respeito , o apreço
a consideração são
necessários , mas
não , a criação
de outra casta
de cristãos . O formalismo
afasta as pessoas . Certa vez
um pastor amigo disse-me que
ao chamar um colega pelo nome , aquele
retrucou: Por favor ,
fulano , me chama de pastor , pois senão o povo não me respeita .
Pena que
atitudes como
essas permeiam o Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo !
A discriminação é tão grande entre pastores
e leigos , a qual
é também praticada pelo
próprio povo ,
e raramente vemos um
líder de formação
eclesiástica posicionar-se a respeito , possivelmente para
não causar
suscetibilidades junto aos seus colegas ou por
conveniências pessoais . Em alguns casos essa discriminação
chega a ser
piadesca, como a anedota
contada no meio de líderes
evangélicos : “Certa
vez uma igreja
mandou um representante para
realizar um trabalho em determinada cidade
do interior , foi recebido pelo
líder da igreja local ,
passaram a conversar e num dado
momento o líder
local chamou o irmão
enviado , de pastor ,
este disse que
não era
pastor , mas evangelista ; imediatamente
o irmão hospedeiro
gritou para a esposa
e disse: mulher , solta
o frango e cozinha
a abóbora , porque
o irmão é só
evangelista !
“Na Bíblia , os leigos são todo o povo de Deus — tanto o clero como o
‘laicato’ (leigo significa literalmente do povo ,
e vem do termo laos, povo ). É um termo honroso , já que todo o povo de Deus em Cristo é escolhido para ser ‘sacerdócio real , nação santa , povo
[laos] de propriedade exclusiva de Deus ’”
(1 Pe 2.9). [1]
Numa visão
neotestamentária não existe distinção entre
clero e leigo .
Para o objeto
da nossa reflexão :
o presbítero , evangelista ,
diácono ou
mesmo , o irmão
que não
é um oficial
de uma igreja , mas
é conhecedor da Palavra
do Senhor , comprometido com
a obra , de bom
caráter e que
goza de reputação
junto à igreja
local , tem sido objeto
de muito desprestígio .
Qual tem sido a razão
para isso ? Se
essas pessoas não
estão bem preparadas bíblica e teologicamente, que as igrejas
e denominações invistam na formação dos seus
obreiros !
Uma igreja
de porte médio ,
em qualquer
cidade média
do país pode ter
uma classe de Escola
Dominical para
formação de obreiros .
Nela sendo ministrado ao longo de um ou dois anos matérias tais como : Doutrinas
Básicas do Cristianismo , História da Igreja ,
Geografia Bíblica, Administração
Eclesiástica , noções
de Hermenêutica , noções
de Homilética, Aconselhamento, Ética
Cristã, etc. Ao término desse curso , uma pessoa não neófita
estará apta para
assumir uma congregação , Escola Dominical
ou qualquer
departamento de uma igreja ,
e até um
pastorado. Descentralizando as atividades
da mesma e desafogando o pastor
para o que é mais próprio de seu ministério
à luz da doutrina
apostólica: ensino da Palavra e a oração
(At. 6:2 e 4). Uma igreja
local que
transfere o ensino dos seus líderes para um seminário ou faculdade teológica ,
está fadada a morrer por
engessamento clerical, é uma morte lenta , mas certa , assim
indicam os vinte séculos de História da Igreja
Organizada. Nada contra que alguém busque aprimorar os seus conhecimentos
teológicos em
um curso
dessa natureza , mas
devem esses conhecimentos
se adequarem à realidade da igreja
e não a igreja
se adequar à realidade desses
conhecimentos obtidos nos cursos teológicos , ou
seja, academizar-se.
Os prejuízos que essa visão
tem trazido à igreja têm sido grande , a ponto de que uma visita ,
ou uma oração
efetuada por uma pessoa
que não
seja o pastor , não
tem um mesmo
valor . Há expressões : ele não é um pastor , mas é uma bênção ; pastores e obreiros ,
etc. Será que um
pastor também
não é obreiro ?
Os líderes
devem lembrar do sacerdócio
universal , exercido por
todos os santos .
Não há monopólio
no exercício sacerdotal da obra do Senhor . Uma igreja local deve
exercer o seu
ministério pleno ,
por meio
de todos os dons
espirituais e ministeriais. Na visão neotestamentária, cada
membro tem o seu
ministério definido .
O ministério não
é só do pastor ,
ele tem seu
ministério , como
membro da igreja
local , aliás ,
uma das principais tarefas
de um pastor
é contribuir para que cada crente descubra e exerça o seu
ministério com
desenvoltura [2]. É bem verdade que a liderança espiritual
de uma igreja local
sempre que
possível , deve ser
exercida por um
irmão ou
irmã que tenha dom
ministerial de pastor .
O clericalismo da igreja é
algo tão
sério que
sempre tem desembocado num preciosismo acadêmico ,
que precede uma ação inquisitiva
e de exclusivismo
do clero na interpretação
das Sagradas Letras . Isso foi assim com os escribas
e fariseus no tempo
de Jesus; com o clero
romano que
além de proibir
que a Bíblia
fosse lida ou
traduzida para uma língua
popular , a saber ,
não canônica ,
proibiram qualquer manifestação ,
estudo , análise
ou debate que não fosse sob a coordenação
da igreja
oficial . Mas
Deus levantou homens
como Jonh Wycliffe, na Inglaterra, que traduziu o Novo Testamento para o inglês e Lutero, na Alemanha, que
traduziu a Bíblia para
o alemão . Por
tais “pecados ”
esses nossos
irmãos não
foram mortos por
providências divina ,
permitindo que o momento
pelo qual eles assim
agiram lhes fossem favoráveis .
O processo de clericalização da igreja existe desde
tempos mais
remotos como
mencionamos anteriormente . Pouco depois da
morte de nosso
Senhor tivemos a morte de
Estêvão, o primeiro mártir
do cristianismo, cujo
apedrejamento foi promovido pelo clero da época , o mesmo ocorreu com
vários cristãos
anônimos , mas o processo chegou ao apogeu
com a romanização
da igreja , instituindo a “santa inquisição ”
em diversas fases ,
onde vários
mártires tombaram por
essa causa , ou
foram duramente perseguidos, como Pedro Valdo (Século
13). Seu maior
“pecado ” dentro
da visão romana
foi buscar a restauração
da comunidade cristã de servos uns dos outros
[3]; vários reformadores
também bateram nessa tecla ; João Hus, Savanarola e outros
mais , que
foram martirizados ou perseguidos.
“Quando o nosso conceito
de ministério é conforme
o que temos no Novo
Testamento , nós
paramos de fazer essa dicotomia
clero/leigos. Todos passam a ser ministros
(servos-doulos), e aí , temos uma igreja de verdadeiros sacerdotes .
A participação dos membros da igreja já não é mais assistir a uma série
de ‘cultos ’ semanais ,
passivamente , nos
bancos , mas
é a realização dos serviços
de evangelismo , de edificação ,
de comunhão , de ministração, de intercessão , discipulado e muitas outras tarefas ,
nas casas , durante a semana ”.
[4]
* Manoel Soares Cutrim
Filho, cristão, conservador e patriota. E-mail :
cutrim@terra .com .br
[1]
Stevens, Paul , A Hora
e a Vez dos Leigos ,
pag. 24, ABU Editora , 1ª Edição – 1998.
[2] Ibidem , p.
138.
[3] Fife, Thomas W, A Igreja
do Novo Testamento ,
p. 11, apostila , de 1991.
[4] Costa , Iran
Bernardes, Valores Ético-Sacramentais Para um Ministério Saudável ,
p. 73.