Cícero Batista Pereira venceu a fome para se formar em Medicina.
O médico de 33 anos recebeu ontem o diploma de
graduação: "Sinto muito orgulho de ter chegado até aqui"
Das latas de lixo, o
brasiliense Cícero Batista Pereira, 33 anos, recolhia as verduras e os livros.
Com o que os outros descartavam, ele se alimentava e também cursou o ensino
fundamental e desenvolveu o interesse pela ciência. Na adolescência, fez curso
técnico em enfermagem e teve a certeza de que a área de saúde era o caminho
dele. Para chegar até o diploma de medicina, recebido ontem, Cícero cruzou a W3
Norte incontáveis vezes. A cada parada de ônibus, vasculhou as prateleiras do
projeto Biblioteca Popular, do Açougue Cultural, em busca de títulos que o
ajudassem na preparação para o vestibular. O hábito se manteve na graduação.
O ex-catador, nove
irmãos e a mãe moravam na Nova QNL, o Chaparral, entre Taguatinga e Ceilândia.
Eles percorriam os contêineres de supermercados e verdurarias da cidade para
abastecer a casa. No horário contrário ao das aulas, Cícero também vigiava
carros em busca de trocados para colaborar com o sustento. “Se a gente
não comia, não tinha como estudar”, lembra.
Um dia, Cícero
encontrou uma câmera fotográfica Polaroid em meio a sacolas e restos de
refeições. Curioso com o equipamento, levou-o para casa e, então, descobriu que
gostava daquilo. “Naquela noite, peguei a lente e fiquei observando piolhos.
Então, lembrei que tinha visto na escola que o piolho é um artrópode, assim
como as aranhas. Isso estimulou a minha vontade de saber mais sobre ciência”,
conta.
A partir das lições
sobre animais, o rapaz se interessou pelos conhecimentos relacionados à saúde
humana, em razão, inclusive, do histórico familiar. Como o pai morreu quando
ele tinha 3 anos e a mãe era dependente alcoólica, coube a Cícero cuidar dos
irmãos. “Eu era o curandeiro lá de casa. Pegávamos comida no lixo, e, por isso,
tínhamos muita disenteria e doenças de pele. Aí, eu usava receitas caseiras e
plantas para fazer remédio para os meus irmãos”, explica. A higienização dos
alimentos era feita com limão. “A gente colocava tudo de molho, lavava bem, mas
não resolvia totalmente o problema”, conta.