11/05/2014 02h00
Lula é uma vocação política incontestável, como demonstra sua
carreira vitoriosa, que o fez sair da condição de operário e chegar à
Presidência da República. É verdade que alguns fatores políticos contribuíram
para isso, mas não tivesse ele o tino e a sagacidade que tem, jamais chegaria
onde chegou.
Há, porém, um traço de sua personalidade que igualmente contribuiu
para essa carreira vitoriosa: a facilidade com que ignora toda e qualquer
norma, seja ética, política, jurídica ou administrativa. Para ele, tudo é
permitido, desde que favoreça a seus propósitos. Não digo que ele seja o único,
dentre nossos políticos, com essas características, mas, nesse particular,
indiscutivelmente, ele supera qualquer um.
E tem mais, quando se trata de seu interesse político pessoal, não
distingue entre companheiros e adversários. Os exemplos são muitos e o mais notável
dentre eles foi o próprio mensalão. José Dirceu, Genoino, Delúbio, todos
pagaram pelos delitos cometidos, menos ele, que era o chefe da trupe.
Lembro-me bem da expressão de pânico estampada em seu rosto,
quando o escândalo eclodiu. Dava para perceber que se sentia sem saída. Não
duvido que, em seguida, tenha mostrado àqueles três que se ele, Lula, fosse
incriminado, todos eles e o próprio PT estariam perdidos. Foi então que Delúbio
assumiu toda a culpa e o Lula se safou.
Alguém acredita que Lula desconhecia o uso do dinheiro público
para a compra de deputados que apoiavam o seu governo? Quer dizer que o chefe
da Casa Civil, que despachava com ele todos os dias, armou tudo sem nada lhe
contar; o Genoino, presidente do PT, também nada, e Delúbio, que estava todos
os domingos fazendo churrasco na Granja do Torto, também guardou segredo.
Isso, embora o mensalão tivesse como beneficiário o seu governo.
Pois bem, na hora em que o escândalo estourou, o que disse Lula? "Fui
traído!" Passado o susto, porém, afirmou que não houve o mensalão, era
tudo uma invenção de seus inimigos e da imprensa. É muita cara de pau, não
acha?
Sucede que o Supremo Tribunal Federal julgou o mensalão e condenou
os dirigentes do PT por crime de peculato, corrupção e lavagem de dinheiro, num
julgamento que durou meses e que foi transmitido pela televisão. Tudo foi dito,
exibido, discutido e votado às vistas de todo o país. Acusados foram condenados
e estão cumprindo pena. Mesmo assim, recentemente, Lula afirmou numa emissora
de rádio em Portugal que aquele julgamento foi 80% político e só 20% jurídico..
Ele diz isso baseado em quê, se a maioria dos ministros do STF foi nomeada por
ele e pela Dilma? Claro, sabia muito bem estar mentindo, que o que afirmava não
tinha qualquer fundamento, mas afirmou.
Mas o que esperar de Lula, diante de uma pergunta como aquela: o
que pensa da condenação de dirigentes do PT pelo STF? A resposta honesta seria,
no mínimo, "é, pisamos na bola". Só que admitir que ele e sua trupe
erraram, jamais admitirá. Por essa razão, sem o menor constrangimento, garantiu
que o julgamento foi político e que o futuro revelará a verdade. Sim, o futuro
há de revelar que ele, Lula, foi o verdadeiro chefe do golpe do mensalão.
Hoje Lula diz que o julgamento foi político, mas quem, de fato,
tentou politizá-lo foi ele, que, como revelou o ministro Gilmar Mendes, do STF,
armou um encontro para convencê-lo a votar contra a condenação dos mensaleiros.
Como o ministro não topou, tentou dobrá-lo, ameaçando revelar um deslize que
ele teria cometido, e que não houve. Isso é chantagem, não?
Convenhamos que não pega bem um ex-presidente da República fazer
certas coisas como, por exemplo, tentar desmoralizar o Judiciário, um dos três
poderes do Estado democrático brasileiro. Mas o que fazer? Outro dia, eu o vi,
num vídeo antigo, afirmar para seus companheiros ter a vida lhe ensinado que o
político não deve dizer o que pensa e, sim, o que o eleitor quer ouvir. Ou
seja, o político deve enganar o eleitor. Creio não ser preciso dizer mais nada.
Esclareço que nada tenho, de pessoal, contra Lula. Preocupam-me as
consequências de sua atuação no Brasil de hoje e no de amanhã.
Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos
domingos.