Cientistas brasileiros se aliam a um grupo de acadêmicos americanos e
começam a defender nas universidades do País que a vida teria sido criada por
uma mente inteligente
Toda vez
que é instada a dissertar sobre o início do universo e da vida, a maioria da
comunidade científica apoia-se nos princípios de Charles Darwin (1809–1882), o
biólogo e naturalista inglês que explicou a origem da diversidade da vida na
terra com a Teoria da Evolução. Para esses darwinianos, novas espécies de seres
vivos surgem por meio de mudanças graduais, geradas pela descendência e guiadas
pela seleção natural. Cresce no País, no entanto, um grupo de cientistas de
currículos robustos dispostos a quebrar o paradigma da biologia evolutiva,
defensores da Teoria do Design Inteligente (TDI). A vida, para eles, não se
desenvolveu na Terra de forma natural, mas projetada por uma mente inteligente.
“Conhecimentos científicos em bioquímica e biologia molecular cada vez mais
apurados nos permitiram abrir a caixa preta chamada célula e enxergar nela um
conjunto imenso de máquinas moleculares dotado de uma complexidade
irredutível”, diz Marcos Eberlin, professor do Instituto de Química da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp). “Não dá para pensar num motor desse tipo
produzido por forças naturais. Foi decisão de uma inteligência que existe no
universo.” Autor de mais de 650 artigos científicos com mais de dez mil
citações e comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, Eberlin é o
porta-voz brasileiro da TDI, um movimento que nasceu nos Estados Unidos no
final dos anos 80. Por lá, há cerca de três mil adeptos, como químicos,
bioquímicos, biólogos e físicos. Aqui, os seguidores ganharam corpo com a
Sociedade Brasileira do Design Inteligente, constituída no mês passado. Com
Eberlin na presidência e um comitê científico composto por alguns
ex-darwinistas, a entidade recentemente deu vida ao 1º Congresso Brasileiro do
Design Inteligente, em Campinas, no interior de São Paulo.
POLÊMICA, Marcos Eberlin, professor do Instituto de Química da Unicamp (acima), e o americano Paul Nelson: eles defendem o fim do paradigma da Teoria Evolutiva |
Ao final do
ciclo de palestras, no domingo 16, que contou com a presença de cientistas do
exterior, como o filósofo com especialização em biologia evolucionária Paul
Nelson, entre os 370 participantes, o número de membros da sociedade saltou de
220 para 300. “Seremos 500 até o final do ano, mil até o ano que vem e cinco
mil em cinco anos”, afirma o químico da Unicamp. “Não somos inimigos de Darwin,
mas amigos da ciência. Queremos restabelecer a verdade científica”, diz ele,
que é membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Por enquanto, porém,
eles têm causado controvérsia na comunidade científica. Para o especialista em
genética evolutiva Diogo Meyer, a TDI tem credibilidade quase nula. “Eles não
são da área para a qual pretendem contribuir. São químicos, pessoas que atuam
na biologia molecular, bioquímica, e não trabalham com a evolução, diversidade
biológica ou genética”, afirma ele, que é biólogo do Instituto de Biociências
da Universidade de São Paulo (USP). “É como se eu, que trabalho com evolução,
argumentasse contra as interpretações mais convencionais da Revolução
Francesa.”
Para os
darwinianos, a TDI é um movimento de criacionistas que tenta dar uma roupagem
de teoria científica à fé deles. “A gente diz por que a evolução dá conta de
explicar as estruturas complexas das moléculas celulares, mas quem está
atacando uma ideia já vigente precisa arregaçar a manga e mostrar serviço, o
que não ocorreu até agora”, afirma Meyer. Evangélico batista, o químico Eberlin
argumenta que tentam rotular o selo de religião na TDI para classificá-la como
pseudociência. A universidade da qual ele é docente chegou a divulgar o
Congresso sobre Design Inteligente em sua página no Facebook mas, de acordo com
Eberlin, sofreu pressão para remover o anúncio. A Unicamp explicou, por meio de
sua assessoria, que após verificar que o evento não conta com participação
institucional concluiu que não justifica a sua divulgação. O porta-voz da TDI
chama seus opositores de pitbulls de Darwin. Para eles, o químico, presidente
da Sociedade Internacional de Espectrometria de Massas, é um charlatão. O
docente, porém, continua aceitando convites para palestrar em universidades e
explanar que fomos planejados e não gerados por processos naturais.
Foto: João Castellano/Ag. Istoé