sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Relato da jornalista sul coreana que viveu como professora 6 meses na Coreia do Norte

Eu, titular deste blog, faço um resumo de interessante artigo baseado no livro de Suki Kim, jornalista que nasceu e cresceu na Coreia do Sul e é cidadã americana. Esta conseguiu trabalho para dar aulas de inglês em 2011, na única universidade privada da Coreia do Norte, situada em Pyongyang, na qual estudam filhos da elite norte-coreana, "os futuros líderes do país". Kim passou seis meses vivendo no campus da universidade tomando notas para convertê-las no livro Sem você, não há nós: meu tempo com os filhos da elite norte-coreana, publicado em 2015.
O culto à personalidade do ditador Kim Jong II é muito forte! Há fotos e estátuas dele e do pai, que o antecedeu, por todos os lugares, o que é próprio das ditaduras.

No Aeroporto Internacional Sunan, de Pyongyang, uma guarda leva uma placa que diz: 'O Sol do Século XXI', em homenagem a Kim Jong Il
O depoimento dessa jornalista é algo que poucos estrangeiros puderam experimentar no hermético país, que nos últimos 70 anos se isolou do resto do mundo. É um lugar, como ela diz, onde o medo é constante, todos vivem se vigiando e onde o controle do governo "é o pior que se pode imaginar". Seque seu depoimento.
Meu interesse na Coreia do Norte vem de uma combinação de duas razões. Como jornalista, tinha uma frustração por não saber a verdade sobre o que ocorre neste lugar, o que é uma enorme tragédia. E minha família foi separada pela guerra das Coreias em 1950, o que trouxe a razão pessoal.
Essa guerra e a posterior divisão da península separaram milhões de coreanos. Meu tio, irmão da minha mãe, ficou no norte, e minha avó nunca voltou a vê-lo. O mesmo ocorreu com os primos do meu pai.
De Pyongyang a Seul (capital de Coreia do Sul), são necessárias apenas duas horas de carro. Mas quando traçou-se a linha que dividiu a península, o Paralelo 38, em 1953, as pessoas que ficaram no norte nunca voltaram a ver seus familiares.
Eu cresci neste clima na Coreia do Sul, onde minha avó literalmente morreu de aflição esperando o filho que acidentalmente ficou do outro lado e não pôde nunca regressar.
Durante uma década estive fazendo uma pesquisa sobre o país. Falei com quase cem desertores em países vizinhos: China, Mongólia, Tailândia e Laos.
Nesta época, entrei por períodos curtos na Coreia do Norte, mas o que buscava era a possibilidade de poder viver ali, incógnita.
Em 2011, Suki Kim conseguiu um emprego na recém-inaugurada Universidade para a Ciência e Tecnologia de Pyongyang (PUST), a única universidade privada da Coreia do Norte, frequentada por filhos de dirigentes norte-coreanos. A PUST foi fundada por grupos evangélicos de vários países. Seus funcionários são principalmente professores americanos que estão ali como voluntários, financiados por suas igrejas. Kim foi contratada para dar aulas de inglês por um período de seis meses.
A Coreia do Norte está cheia de paradoxos. E esta universidade é uma delas.
Suki Kim tinha cerca de 50 alunos em uma sala de aula no curso de inglês
A religião aqui não é permitida, e o proselitismo é um crime muito sério, castigado com a morte. O único que se venera no país é o Grande Líder.
Mas a comunidade evangélica fez um acordo com a Coreia do Norte: ela bancaria a universidade e não faria proselitismo - apesar de ser óbvio que este era o objetivo de longo prazo.
Assim, grupos evangélicos fundamentalistas estão financiando a educação dos futuros líderes do país em troca de um potencial propósito missionário de longo prazo.
O governo tem que aprovar tudo o que ocorre na universidade. Eles selecionam os estudantes, que são principalmente filhos dos funcionários do partido dirigente. Na Coreia do Norte, o governo decide tudo sobre o indivíduo: a carreira que seguirá, a escola onde estudará, as atividades que fará.
Quando estive ali, havia 270 estudantes, todos homens que viviam no campus. Eu ensinava inglês para duas classes, com cerca de 50 alunos de 19 e 20 anos cada. A universidade é vigiada por militares e ninguém tem permissão para sair.
O governo define as escoltas que vivem com os professores no campus e seu trabalho é monitorá-los 24 horas por dia. Eu tive uma escolta me vigiando dia e noite, literalmente. Tudo o que fazíamos e ensinávamos devia ser aprovado, monitorado e gravado.
Vivi o tempo todo aterrorizada. Se não tivesse escrevendo o livro, minha situação teria sido diferente, mas estava tomando notas em segredo e sabia que nunca ninguém tinha tentado fazer isto no país.
Mantive minhas notas em memórias de USB e sempre as levava comigo. Todos os dias apagava tudo do meu computador e não deixava nenhum rastro do meu trabalho.
A possibilidade de que a minha escolta descobrisse essas notas me dava arrepios. No meu quarto, havia microfones ocultos; e todas as aulas que eu dava eram gravadas. É um sistema de medo constante e vivi aterrorizada pensando que poderia morrer ali.
O que pensava de meus alunos? ... mas vivendo em um sistema de constante controle e vigilância ninguém sabe realmente o que as pessoas pensam ou sentem.
Os estudantes também estão sob um sistema de supervisão constante. Nunca estavam sozinhos. Eles se vigiavam e me vigiavam. Costumavam ter uma reunião semanal na qual informavam sobre os outros estudantes e sobre os professores.
Eles são tratados como soldados. Fazem exercícios em grupo, correm em grupo, e saem para marchar em grupo para honrar o Grande Líder, e constantemente são doutrinados sobre o poder do Grande Líder e o ódio aos Estados Unidos.
Eu cheguei a sentir um grande afeto por meus estudantes, que pareciam muito mais inocentes que outros jovens de 20 anos em outras partes do mundo.
Foi sob esta constante vigilância que entendi a insuportável situação na qual vivem, o medo de estar sempre vigiando e denunciando os demais, a impossibilidade de ir a qualquer lugar ou com qualquer pessoa, e a forma como se restringe seu mundo, sua imaginação.
Pude ver que as pessoas fora da capital eram menores que as que me relacionava na universidade. As que vi nas margens de estradas são marcadamente menores e parecem malnutridas. Nunca nos permitiram falar com ninguém nas ruas.
Os lugares para onde nos levavam pareciam cenários de filme e nunca havia outras pessoas nesses lugares, só os membros do grupo ...
Depois de toda a investigação que tinha feito sobre a Coreia do Norte, nunca tinha imaginado que pudesse existir um controle tão grande, pior do que se pode imaginar.
Além desse livro aqui comentado, Suki é autora do romance O Intérprete e escreve regularmente para o New York Times, Washington Post, Harper's e New Republic.

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